Publicado em por

A Morte do Artista

 
Durante anos, o ser moveu-se num convívio pleno, cercado de vozes, rostos e presenças que lhe ofereciam não só companhia, mas a certeza de que o seu existir reverberava para além do instante. A fama, ou aquilo que se assemelha a ela, era menos aplauso do que testemunho íntimo: prova de que, ao olhar do outro, a sua passagem acendia alguma luz.
Mas a idade avança como maré que retira devagar a areia da praia. O círculo humano estreita-se, não por desamor deliberado, mas porque a vida moderna dispersa em fragmentos: cada um preso ao calendário de urgências, cada gesto dissolvido pela pressa e pelo artifício das máquinas. O mundo corre veloz sem saber para onde, e nesse correr fabrica simulacros de presença, sombras que se oferecem como companhia mas não abraçam, imagens que parecem cuidado mas não tocam.
Ergue-se então o paradoxo: quanto mais fios nos ligam, mais vazios se tornam os laços. A rede promete comunhão, mas distribui espectros. A técnica prolonga a respiração do corpo, mas não aquece a interioridade. O humano, reduzido à função, sobrevive em depósitos onde o coração já não encontra eco.
A morte do artista não é apenas o fim de um corpo biográfico: é a extinção lenta da seiva que o nutria — o gesto de atenção, a escuta viva, o reconhecimento que é espelho. Quando o cuidar cede lugar à manutenção e o afeto ao algoritmo, perde-se não só o indivíduo, mas a própria possibilidade de comunidade.
E todavia, permanece a verdade antiga e simples: o homem não é engrenagem nem cifra. É corpo sensível, consciência em vibração, espírito que se abre como horizonte. A sua necessidade maior não é apenas persistir no tempo, mas encontrar no outro o calor que lhe devolve sentido. Onde o abandono se instala, morre em cada ser a centelha criadora. Onde floresce o cuidado — mesmo na solidão tardia — aí nasce a eternidade invisível, a obra sem nome, a vida que nenhum esquecimento apaga.