Escutando o Ruído
Escutar o ruído é submeter-se ao laborioso exercício de discernir o mundo para além da sua espuma. Não é apenas o zumbido constante da urbe, nem o estilhaçar das conversas que se sobrepõem; é o tumulto das imagens, a vertigem das notícias, o excesso da comunicação que, na ânsia de significar, termina por obscurecer.
O ruído social é um coro dissonante. Multiplicam-se vozes, opiniões, interpretações — e no seu entrechoque erguem-se muralhas de incompreensão. Cada fotografia, outrora epifania do instante, é hoje arrastada para a voragem do efémero: saturada de filtros, desfigurada por artifícios, transmutada em simulacro. O olhar, convocado a cada segundo, já não contempla; apenas consome.
Também as palavras, repletas de urgência, ressoam como ecos sem origem. Notícias sucedem-se em catadupa, slogans competem pelo nosso assombro, manchetes prometem revelação mas entregam apenas fragmento. É a tirania do imediato, onde a claridade se dissolve na pressa e a verdade se perde no labirinto da aparência.
Todavia, o ruído guarda em si um paradoxo fecundo. Escutá-lo é perceber a sua própria inconsistência. É compreender que, por detrás do estrépito, permanece intocado um fundo de silêncio — espaço primordial, matriz de toda a lucidez. O silêncio não é carência, mas plenitude; não é ausência, mas presença soberana.
Escutar o ruído é, pois, um ato de resistência espiritual. É atravessar a cacofonia sem se deixar cegar pelo seu fulgor disperso. É recuperar o eixo interior onde o olhar reencontra foco, a palavra recupera peso, e a imagem regressa à sua pureza inaugural.
No íntimo da algazarra, o silêncio ergue-se como clarão de liberdade. E só nele — nesse interstício onde a consciência repousa em si mesma — o humano se reconhece inteiro.